Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Ilha Solteira e de Tupã deve concluir até o fim do ano o primeiro protótipo de um aparelho que localiza vazamentos de água em tubulações enterradas, com muito mais precisão e custos menores do que os existentes hoje.
A pesquisa está aperfeiçoando e adaptando à realidade brasileira a tecnologia do correlacionador de sinais, que localiza vazamentos por meio da análise das mudanças nos padrões de vibrações da tubulação. A inovação deverá contribuir para combater as perdas que hoje atingem 37% do total de água tratada no Brasil.
Técnicas acústicas e vibratórias vêm sendo usadas para localizar vazamentos há cerca de 30 anos, mas a substituição de tubulações metálicas por tubos de plástico trouxe novos desafios, já que as vibrações se propagam por distâncias muito menores em plásticos. Além do material, influem nos padrões dos sinais dos vazamentos o diâmetro, a espessura e as juntas da tubulação e o tipo de solo onde a tubulação está enterrada. Por isso, a adaptação às condições locais é crítica para aumentar a eficácia dessa tecnologia.
Redução de custos
Já a redução de custos será o resultado não só da nacionalização do aparelho como da sua simplificação. Segundo Fabrício Lobato Almeida, da equipe de pesquisadores da Unesp que desenvolve o equipamento sob a liderança do engenheiro inglês Michael Brennan, professor da universidade, desde que surgiram, os correlacionadores de sinais evoluíram pelo caminho da sofisticação progressiva tanto dos sensores que captam os sinais, como do aparato computacional que faz o seu processamento. Com isso os equipamentos ficaram cada vez mais caros, chegando hoje a mais de R$ 200 mil no mercado brasileiro.
“Nós simplificamos o processo identificando quais são as características dos sinais vibratórios efetivamente relacionados a vazamentos, levando em conta nossa realidade. Isso permite usar sensores menos sofisticados e um microprocessador menos potente porque o software que desenvolvemos seleciona os parâmetros relevantes, excluindo as vibrações produzidas por carros, metrô, avião etc.”, explica Almeida. O resultado é um aparelho mais barato e também muito mais fácil de ser operado. A estimativa é que o correlacionador de sinais nacional tenha um preço cerca de cinco vezes menor que os importados disponíveis hoje no mercado.
“Reduzir as perdas é uma necessidade crítica”
O engenheiro Marcelo Miki, gerente do departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da Sabesp, explica que a inovação é estratégica para a companhia: “Reduzir as perdas é uma necessidade crítica e, para isso, é essencial reduzir os custos de localizar vazamentos. Por isso a empresa decidiu investir no aprimoramento dessa tecnologia”.
Segundo ele, hoje a detecção de vazamentos depende muito da formação e perícia do operador do aparelho e qualquer erro pode resultar em esburacar inutilmente a rua. “A pesquisa já mostrou que o novo equipamento será mais barato, mais eficiente e mais fácil de operar do que os que temos hoje. Além disso, não precisaremos enviá-los para serem calibrados no exterior, como ocorre atualmente”, explica.
Embora ainda faltem vários aperfeiçoamentos, a primeira versão do protótipo atraiu a atenção de potenciais fabricantes do novo aparelho. Um deles é uma empresa nacional que pesquisa o uso de inteligência artificial na detecção de vazamentos, também por meio de projeto financiado pelo PITE da FAPESP. O outro é uma companhia estrangeira que já fabrica e exporta esses equipamentos para o Brasil.
Perdas por vazamento
Reduzir as perdas de água tratada é questão estratégica em termos globais. As mudanças climáticas vêm agravando a situação e a grave crise hídrica recentemente vivida pelo Brasil mostra que o país não está a salvo do problema, mesmo dispondo de uma das maiores reservas de água doce do mundo.
Atualmente, os sistemas de distribuição de água no Brasil perdem mais de um terço (37%) da água tratada, a maior parte por vazamentos e o resto por fraudes e erros de leitura. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), depois de cair de 41,6% para 37% entre 2009 e 2013, as perdas se estabilizaram. Os países com menores perdas de água tratada são os Estados Unidos, com 13%, e a Austrália, com 7%. Nesse ranking, o Brasil fica atrás da Sérvia, Vietnã, Bangladesh, México, Rússia e China, entre outros, de acordo com informações do International Benchmarking Network for Water and Sanitation Utilities em 2011.
Segundo o SNIS, muitas cidades do Norte e Nordeste chegam a perder três de cada quatro litros de água tratada. Com isso, o faturamento de muitas distribuidoras não cobre nem os custos operacionais, quanto mais a expansão da rede. Grave quando se pensa que 80% da população dessas regiões vive em cidades que precisam de ampliação da rede de distribuição. No caso da Sabesp, as perdas chegaram a quase 32% da água tratada em 2016 ou 858 bilhões de litros, dois terços dos quais por conta de vazamentos.
O correlacionador de sinais
A tecnologia dos correlacionadores de sinais é a que oferece maior precisão para localizar vazamentos em tubulações enterradas. Seu potencial fica evidente na experiência da Inglaterra, que intensificou o uso desses aparelhos a partir de 2007, depois de uma longa estiagem. Segundo Almeida, desde então, o país reduziu suas perdas de cerca de 40% para menos de 20%.
Os correlacionadores de sinais têm como base a medição das vibrações da tubulação em dois pontos em torno da área onde há suspeita de vazamento e a comparação dos resultados. Como o sinal da vibração se atenua conforme a distância percorrida, a diferença entre os dois sinais permite estimar a localização do vazamento.
A vantagem do aparelho nacional é que ele foi concebido a partir do conhecimento das características específicas do sinal vibratório de vazamentos das tubulações usadas aqui e no solo onde estão enterradas. Com isso e com software capaz de reduzir ruídos e interferências, o protótipo preliminar foi capaz de localizar 100% dos vazamentos nos campos de testes da Sabesp.
“Embora no mundo real a eficácia deva ser menor, os resultados já indicam que o aparelho localiza os vazamentos com muito mais precisão do que os equipamentos que existem no mercado e ainda estamos aprimorando o protótipo”, explica Almeida.
Primeira fase da pesquisa
A primeira fase da pesquisa, iniciada no fim de 2015, identificou as características do sinal vibratório dos vazamentos e mediu sua velocidade de propagação nos tubos. Desse estudo resultou a descoberta de que o tipo de solo influenciava muito o resultado.
Então, com os dados coletados, os pesquisadores produziram a primeira versão do software e o primeiro protótipo de correlacionador de sinais. Até o final do ano, deverão finalizar uma nova versão do software capaz de desconsiderar, além das vibrações estranhas ao vazamento, também as interferências elétrico-eletrônicas produzidas pelos sensores. O novo protótipo será menor e terá comunicação wireless com os sensores.
Fonte: Revista PEGN
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